“Árabe filho da puta, saudita viado. Volta pra sua terra, seu merda. Vá embora daqui.” Ao som desses lindos termos, segui meu caminho até a Estação Ipiranga, nas proximidades do meu trabalho. Palavras ditas com agressividade e aos berros por um sujeito sem as duas pernas e se locomovendo em sua cadeira de rodas após me ver na rua. Não é a primeira vez que alguém me chamou de árabe ou de “Bin Laden” por conta da minha barba, mas foi a única abordagem violenta que sofri por conta disso - diferente de todas as outras, quase sempre piadas de estranhos comigo. Não deixei a situação me afetar e continuei minha caminhada diária, fingindo que aquilo não era comigo, mas confesso: fiquei impressionado com a dose de violência que surgiu na voz e nas frases do indivíduo. Por uns 700m, sem exagero, continuei ouvindo os gritos. Pensei em todas as situações que poderiam acontecer, tanto se eu fosse agressivo ou apenas respondesse numa boa. Achei que não valia a pena falar nada, muito menos tentar entender as motivações para o cara ser tão intolerante comigo. Tentei não julgá-lo, muito pelo contrário, desde aquele momento minha cabeça não para de pensar nas diversas vezes que estive na situação reversa. Ao mesmo tempo me fico tentando imaginar a reação e os sentimentos de um imigrante vindo da península Arábica quando uma situação absurda como essa ocorre.
Não tenho nenhuma ascendência árabe, e se houvesse, sem dúvida alguma, nunca seria um problema. Pode até ser que exista um gene mouro, já que meu bisavô nasceu em Cáceres, cidade histórica espanhola, palco de batalhas sangrentas entre muçulmanos e cristãos em épocas passadas. Em Cáceres, segundo os livros de história,a situação era essa: um islamita construía uma mesquita, depois um cristão chegava, destruía tudo e erguia uma igreja. Claro que os tempos são outros, mas a intolerância, seja religiosa, racial ou sexual, é sempre a mesma.Vivemos em um mundo onde Donald Trump, um magnata megalomaníaco, xenofóbico e candidato a presidência dos Estados Unidos, quer levantar um muro em plena fronteira do México para impedir que os imigrantes entrem no país. Na Rússia, a região que possui a maior área do planeta, Vladimir Putin, ex-agente da KGB e atual presidente, diz que é necessário se livrar da homossexualidade para aumentar as taxas de natalidade, mas que não tem problema nenhum com gays. E a crise dos refugiados na Europa? Acho que nem vale a pena comentar sobre isso, já que diariamente lemos algo relacionado ao assunto. Claro que não vou esquecer do nosso Brasil brasileiro, terra de samba, pandeiros e recorde mundial no assassinato de homossexuais. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia - GGB, a cada 28 horas um homossexual é morto de forma violenta. Na questão racial então, nem se fala. Quantas vezes você não ouviu alguém dizer que é contra as cotas raciais em universidades ou a chegada de haitianos ao país mesmo sem saber o por quê. Vale lembrar que nosso atual quadro de ministérios é formado apenas por homens brancos. Com a religião não é diferente. Chegamos ao ponto de uma criança ser apedrejada após sair de um culto de candomblé. E se você resolver fazer terapia? Já era, muitos vão te tachar de louco.
Resolvemos virar juízes, sentimos a necessidade de comentar sobre tudo. Acreditamos que nossos valores pessoais, muitas vezes repletos de senso comum e hipocrisia, são validos para todos. Parece ser indispensável impor nosso ponto de vista na vida dos outros, mesmo que a gente não perceba que estamos sendo intolerantes. A intolerância é transmitida em sua TV e rádio quase 24h. Ela é encontrada em seu local de trabalho, nas ruas, na fala de um político que você votou na eleição passada, aquele que representa alguma bancada específica. Você pode discordar de mim, mas tanto eu quanto você somos preconceituosos, intolerantes e já julgamos alguém. Sim, é isso mesmo: eu e você somos preconceituosos e já fizemos muitas vezes juízo de valor, mesmo que de forma inconsciente. Nos policiamos, é verdade, mas já julgamos muito por aí. Transformações acontecem e temos a chance de mudarmos nossos pontos de vista, ainda bem. Se quisermos transformar o mundo, fazer uma verdadeira revolução, sem dúvida alguma, apenas a intolerância não deve ser tolerada.