Eram quase 15h30, a chuva não parava, a luz na empresa já tinha apagado duas vezes e o desespero bateu. Tinha medo de não conseguir atravessar a Av. do Estado e ficar ilhado na Zona Sul de São Paulo. Saiu do serviço, arrancou a camisa e com suas botas de couro enfrentou as poças altas que há no Ipiranga. Foi o segundo dia desse pequeno desafio. Enfrentando toda a tempestade, conseguiu atravessar a avenida e observou que o rio estava a ponto de transbordar. Chegou na estação de trem da região, os portões estavam fechados. Colocou sua camisa de volta e junto com outros usuários do transporte público, convenceu a funcionária da CPTM abrir os portões. Uma senhora gritou que ia chamar o Choque, a tropa de elite da polícia paulista, para abrir a passagem, mas ele a avisou e afirmou: "É mais fácil eles baterem na gente, querida!" Conseguiu entrar, mas foi impedido por dois seguranças ao acesso para o seu destino final. A desculpa era que havia confusão e teria que esperar. Nisso, um cidadão mais esperto do que ele, falou que morava do outro lado, depois do outro acesso. Ele ficou furioso e falou para o guardinha que se a regra valia para o cara, também era o correto pra todos. Conseguiu impor algum respeito e o guarda liberou o acesso ao outro saguão. Chegando lá, a situação era tranquila, diferente do relatado, e se agarrou a catraca, como se ela fosse a mulher mais sexy do mundo. Foram longas quatro horas de espera, uma ansiedade interminável, afinal, não havia trem. O saguão lotava mais, seu jeans molhado pesando quilos, nenhuma informação ou aviso da companhia responsável pelo serviço, mas ele viu que, na surdina, duas garotas passaram a catraca. Sua vontade de fumar era imensa e de ir embora dali mais ainda. Em um surto de segundos, ele se abaixou, chutou um dos cavaletes e conseguiu passar, não se importando com os guardas, nem com os funcionários. Se sentiu William Wallace, personagem de Mel Gibson em Coração Valente. Escutou a estação lotada vibrar e como um jogador de rugby, passou pelos guardas. Olhou para trás e viu a multidão fazendo igual. Um momento inesquecível, quase glorioso. Já na plataforma, acendeu seus cigarros e viu um homem que pega o mesmo vagão que ele há quase dois anos iniciar uma conversa pela primeira vez. Em cerca de 20 minutos o trem veio após a longa espera e, surpreendentemente, vazio. Se colocou ao lado da porta e ficou até ás duas estações seguintes, seu destino final."
(Escrito após uma chuva torrencial do ano de 2015)