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quinta-feira, 30 de março de 2017

O deus da encruzilhada


72 anos de genialidade, sobrevivência e superação. Eric Clapton faz aniversário hoje e merece todos os parabéns - mesmo sendo o primeiro EMO da porra toda.



Nesses 72 anos, Crossroads talvez seja o ponto alto de Clapton como guitarrista. Ninguém conseguiu fazer uma versão tão intensa de como a de Eric no Cream. Nem mesmo Robert Johnson, o autor da música, é tão visceral assim. Pura porrada e genialidade. Não é à toa que o cara é conhecido como Deus por aí e Crossroads é o nome do centro de reabilitação e festival promovido por ele!


* Quem quiser conhecer o lindo trabalho que Clapton faz em seu centro de recuperação, com base nos 12 passos do AA, é só entrar aqui. Em sua autobiografia, muito focada em sua luta contra o álcool, Eric fala da ideia, desenvolvimento e propósito do Crossroads, sem dúvida nenhuma, um dos principais orgulhos de sua vida: http://crossroadsantigua.org/

quarta-feira, 29 de março de 2017

Vento frio

Às vezes um vento frio bate em minha espinha
causa-me um arrepio, uma leve angustia e certa ansiedade
a sensação que algo vai se perder
finjo que não sei o que é isso, mas lá no interior, 
em todo o meu sistema nervoso central,
é você, é você com uma Calibre 12 apontada no meu coração
é você a causa dessa sensação
mas nunca te tive, então não poderia te perder
imagino cada boca imunda que você beijou após me conhecer
cada mão engordurada que  acariciou suas coxas em uma tarde cinzenta qualquer
e esse é o vento que bate em minha espinha
como uma chuva de ventiladores num dia quente de verão
com cada lâmina dilacerando meu rosto, me causando sufoco
Procuro fugir disso,  corro para algum pântano gosmento
esperando a   areia movediça puxar meus pés e todo resto do meu corpo
na minha mente, só um pensamento: será que vou te ver de novo?
Talvez seja delírio, coisas de um homem louco, esquecido pelas ruas, adentrando no lodo
mas acordo e é tudo um sonho
 o vento bate em minha espinha novamente e não me trás nenhuma resposta
o despertador grita e sou obrigado a retomar a minha rotina
é hora de continuar tudo de novo
enquanto o vento frio continua gelando a minha espinha

terça-feira, 14 de março de 2017

Como um solo de guitarra psicodélico solto no ar (ou apenas Certas Coisas do Coração)

Era uma daquelas tardes quentes de sábado, com solos de guitarra psicodélicos perdidos no ar enquanto o sol saia de cena. Dava pra escutar em lugares longe dali. Era essa a sensação que Pedro sentia em seu peito. Sons de trovão, com uma chuva doce e ácida. Foi assim que o amor se instalou em seu coração. Ele tava perdido, fodido, foi assim que começou. Os olhos dela eram intensos, desafiadores, como Muhammad Ali gingando no ringue, abrindo a guarda, pronto pra encaixar um cruzado ou um gancho certeiro. Mas ele nunca tinha experimentado isso e o gosto não era amargo. Nem o ar que ele roubava enquanto beijava a doce dama por quem  tinha se enamorado. O começo de algo, o fim de outra era. Como a dança em um musical esdrúxulo ou uma viagem alucinógena que teve em outros tempos, ele sabia e dizia o seguinte: “não vai durar”. Ela era forte demais pra ele, muito dona de si, realmente livre.  Pedro coitado, era muito responsável em seu trabalho de merda e, mesmo detestando, jamais conseguiria ser livre e ter os pés no chão como ela. E Pedro sabia disso. Mas você vai dizer que Pedro não sabia viver o momento e se adiantava o tempo inteiro. Talvez você tenha razão, mas Pedro tinha muito medo de certas emoções, principalmente a falta de razão que uma paixão fulminante leva até um coração. E, bobo que era, Pedro disse não. Que final triste pra uma história que nem começou. Mas Pedro não sabia lidar com certas coisas do coração. Por isso, idiotamente e inocentemente, Pedro disse não. Não se pode falar não pra certos sentimentos que nos despertam a paixão. Mas ela entendeu, seguiu seu caminho e pensou: “ele tem medo da desilusão. Não sabe viver os sentimentos que vivem nas ligações internas de qualquer coração.” Ela estava certa. Pedro não estava pronto, mas um dia vai estar. Quando esse dia chegar, Pedro vai estar livre pra fazer amor e parar de chorar.

Quem sou

Não sou artista
Não faço arte
Não sou escritor
Muito menos jogador
Não sou pugilista
Sempre fujo de qualquer briga
Não bebo
Só tomo um trago
Não faço amor
Apenas dou uns amassos
Não me apaixono
Apenas tiro proveito dos minutos com você
Não sei fingir, disfarçar a dor
Faço peças, mas não sou ator
Talvez seja o drama de um bom poeta
Ou o suor de algum trabalhador
Não falo francês
Mas sussurro em seu ouvido
Com sotaque latino
Em meu bom português
Danço com o vento
Mas continuo isento
Quando o assunto é política
Falo aquilo que penso
Mas quem eu sou
Me diga, por favor
Se sou a ponte, o caminho, o seu amor
Se sou a água, a onda que bate no teu corpo
Um oceano aberto, mas próximo a um deserto
Onde os sentimentos não dizem nada
Onde o que vale é a palavra falada
Algum olhar, uma piscadela
A dança das bailarinas peladas
Que giram suas pernas cheias de graça
Olhando para os velhos que ficam sentados na praça
Ou os velhos discos do garoto que espera o ônibus
Mas diga logo, tenho pressa
Uma brisa vai passar
Vai me apanhar
E vou desaparecer
Não dá mais, não posso esperar
Me diga o que sou, por favor

quinta-feira, 2 de março de 2017

Uma prece bêbada

A noite cai em nossas cabeças. Estou em frente a um velho bar que fica na avenida principal da cidade e toda hora coloco uma moeda na jukebox. “You Dont Know Me” não para de tocar. Fico imaginando nós dois na cama em alguma madrugada fria do final de maio, lembrando das carícias que fazia em suas costas fartas e do café à moda italiana que você preparava em todo nosso desjejum juntos. Não era só a trepada, tinha todo o papo e um mundo completamente diferente que você fazia parte. Andava com os loucos e poetas, discutia arte, quadros, coisas que nunca tive tempo pra apreciar. E você fazia isso parecer tão prazeroso e fácil. E o prazer de ver seus olhos brilhando quando contava alguma de suas viagens sem destino, sem um puto no bolso e sabendo dos riscos que podia correr. Mas você é forte e sobreviveu a cada encruzilhada que passou. 

Diferente de você, sempre precisei de uma muleta, de alguém pra me guiar. Talvez seja o resultado da criação da minha mãe, uma mulher incrível que sempre me deu apoio em tudo e estava lá quando precisei. Me ensinou errado, eu sei. Lembra daquela noite, sentados num bar com toalhas de mesa xadrez no lado sujo da metrópole? Você tava linda, na plenitude de sua beleza simples, mas forte. Desculpe-me pelo clichê que vou usar na sequência, mas era coisa de hipnotizar. Coloquei meu braço no seu ombro e tive certeza que era ali onde passaria o resto dos meus dias. Você não bebia, preferia ter ido em um café, algo assim. Mas a certeza que você era o porto certo pra amarrar o meu velho barco já usado por demais continuava. Mas, como em todo romance barato de banca de jornal, nosso caso não seria tão perfeito assim. 

Você me levou até a estação, me deu a mão e disse que haveria uma próxima vez. No meio dos mendigos oprimidos, seu olhar desapareceu. Não imaginei que era o nosso último momento. Como uma brisa, você passou por mim e nem disse adeus. Apenas refrescou minha libido e colocou meu coração numa eterna prisão. E por mais piegas que possa aparecer, tudo que peço quando olho para uma lua cheia em uma noite qualquer é te ver outra vez.  


Como já vi alguns velhos sábios dizendo, às vezes é necessário fingir que está tudo bem, enganar a nossa alma. Faço isso a todo momento. Ao mesmo tempo, enquanto a saudade faz do meu corpo um templo, fico torcendo esbarrar em você numa tarde quente de carnaval, enquanto os foliões bêbados dançam sem ritmo algum, diferente de ti. Quando você dançava tinha certeza que eu era capaz de te amar. Mas a vida é um mar de complexidade e talvez nasci pra perder. 

Às vezes, na solidão da minha cama, coloco um velho CD no meu discman - é, ainda tenho um. Aretha Franklin, plena e em toda ternura, me faz imaginar sua solidão, seus momentos perdidos. Como ela diz na canção, seria uma vergonha você não dividir seu amor comigo, mas a vida é estranha assim. Fazer o quê, é necessário continuar andando. Mas chega por isso hoje. Você nunca vai saber o que rola aqui dentro de mim e nem tem a curiosidade de descobrir. Tudo bem, preciso colocar mais uma moeda na jukebox. Talvez uma balada monstruosa do Joe Coker me faça bem. Sabe, apesar de você não beber, um brinde a vossa mercê, baby blue. Que os ventos do sul levem minha prece bêbada ao seu lar e que atinja diretamente seu coração, como bala perdida em uma noite violenta. Qualquer hora dessa, entre a mudança de uma estação e outra, venha me visitar. Seria um prazer dançar minha última valsa com você, como naqueles dias frios de maio. Essa é a maneira que me lembrarei de ti pra sempre, fingindo estar em um velho romance de banca de jornal e dançando contigo ao som de “You Dont Know Me”.