A noite cai em nossas cabeças. Estou em frente a um velho bar que fica na avenida principal da cidade e toda hora coloco uma moeda na jukebox. “You Dont Know Me” não para de tocar. Fico imaginando nós dois na cama em alguma madrugada fria do final de maio, lembrando das carícias que fazia em suas costas fartas e do café à moda italiana que você preparava em todo nosso desjejum juntos. Não era só a trepada, tinha todo o papo e um mundo completamente diferente que você fazia parte. Andava com os loucos e poetas, discutia arte, quadros, coisas que nunca tive tempo pra apreciar. E você fazia isso parecer tão prazeroso e fácil. E o prazer de ver seus olhos brilhando quando contava alguma de suas viagens sem destino, sem um puto no bolso e sabendo dos riscos que podia correr. Mas você é forte e sobreviveu a cada encruzilhada que passou.
Diferente de você, sempre precisei de uma muleta, de alguém pra me guiar. Talvez seja o resultado da criação da minha mãe, uma mulher incrível que sempre me deu apoio em tudo e estava lá quando precisei. Me ensinou errado, eu sei. Lembra daquela noite, sentados num bar com toalhas de mesa xadrez no lado sujo da metrópole? Você tava linda, na plenitude de sua beleza simples, mas forte. Desculpe-me pelo clichê que vou usar na sequência, mas era coisa de hipnotizar. Coloquei meu braço no seu ombro e tive certeza que era ali onde passaria o resto dos meus dias. Você não bebia, preferia ter ido em um café, algo assim. Mas a certeza que você era o porto certo pra amarrar o meu velho barco já usado por demais continuava. Mas, como em todo romance barato de banca de jornal, nosso caso não seria tão perfeito assim.
Você me levou até a estação, me deu a mão e disse que haveria uma próxima vez. No meio dos mendigos oprimidos, seu olhar desapareceu. Não imaginei que era o nosso último momento. Como uma brisa, você passou por mim e nem disse adeus. Apenas refrescou minha libido e colocou meu coração numa eterna prisão. E por mais piegas que possa aparecer, tudo que peço quando olho para uma lua cheia em uma noite qualquer é te ver outra vez.
Como já vi alguns velhos sábios dizendo, às vezes é necessário fingir que está tudo bem, enganar a nossa alma. Faço isso a todo momento. Ao mesmo tempo, enquanto a saudade faz do meu corpo um templo, fico torcendo esbarrar em você numa tarde quente de carnaval, enquanto os foliões bêbados dançam sem ritmo algum, diferente de ti. Quando você dançava tinha certeza que eu era capaz de te amar. Mas a vida é um mar de complexidade e talvez nasci pra perder.
Às vezes, na solidão da minha cama, coloco um velho CD no meu discman - é, ainda tenho um. Aretha Franklin, plena e em toda ternura, me faz imaginar sua solidão, seus momentos perdidos. Como ela diz na canção, seria uma vergonha você não dividir seu amor comigo, mas a vida é estranha assim. Fazer o quê, é necessário continuar andando. Mas chega por isso hoje. Você nunca vai saber o que rola aqui dentro de mim e nem tem a curiosidade de descobrir. Tudo bem, preciso colocar mais uma moeda na jukebox. Talvez uma balada monstruosa do Joe Coker me faça bem. Sabe, apesar de você não beber, um brinde a vossa mercê, baby blue. Que os ventos do sul levem minha prece bêbada ao seu lar e que atinja diretamente seu coração, como bala perdida em uma noite violenta. Qualquer hora dessa, entre a mudança de uma estação e outra, venha me visitar. Seria um prazer dançar minha última valsa com você, como naqueles dias frios de maio. Essa é a maneira que me lembrarei de ti pra sempre, fingindo estar em um velho romance de banca de jornal e dançando contigo ao som de “You Dont Know Me”.
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