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domingo, 13 de novembro de 2016

Play it again, Sam

Canção. Palavra simples, mas cheia de significado. Uma canção, muitas vezes, significa um estado de espírito, alguns minutos marcantes da insignificante existência do ser humano nesse universo que se perdeu há muito tempo. Podem ser dias tristes ou alegres, mas alguma canção estará tocando em um rádio, mesmo que seja uma ruim ou alguma feita apenas pra dançar. Prefiro deixá-las por aí, gosto das que discutem algo relevante, daquelas que realmente mexem com algo por dentro, ficam intrínseca na carne e no espírito, geram reflexão e esperança. Com apenas dois dias de diferença, perdemos dois craques desse estilo, caras que realmente sabiam o que significava a expressão blues. Leon Russell hoje, Leonard Cohen na quinta-feira. Como o mundo fica mais chato sem a poesia e música desses caras. Claro que será eterna, afinal, discos servem pra isso, mas muitas vezes apenas isso não é o bastante. Nesses últimos dias me peguei emocionado em alguns momentos e é gozado, já que não conheço esses caras pessoalmente, mas, através de suas canções, me tornei íntimo de cada um deles. Talvez há um pedaço de todos nós em cada música que eles escreveram e tocaram, mesmo as feitas antes de nosso nascimento. Ou será que a questão é a reflexão e os questionamentos inseridos na obra de cada um foi um questionamento em algum momento de nossas vidas, mesmo de quem nunca ouviu nenhum dos dois? As duas coisas, sem dúvida. Se existe algo além das nossas galáxias, se realmente o céu ou inferno estão em algum lugar da nossa pós-existência terrestre, apenas os indígenas, os poetas e os músicos sabem disso. A chave desses lugares estão em seus bolsos ou em cima do piano, jogada entre o cinzeiro e os copos de cerveja e uísque. Talvez fiquem entre os arpejos de tal nota, não sei. Fico aqui, imaginando nesse possível paraíso, em Ray Charles, B.B. King, Lou Reed, J.J. Cale e todos os grandes fazendo festas diárias, repleta de barris de cerveja, sem hora pra acabar. Encontros inimagináveis, como Agepê e Wando  escrevendo uma letra juntamente de Serge Gainsbourg, Gonzaguinha fazendo mais uma canção política na companhia de Woody Guthrie ou Nelson Cavaquinho tirando um blues com Muddy Waters e Junior Wells. Enquanto isso, James Brown e Etta James improvisam passos de funk num samba enredo cantado por Jamelão. Como diria o Erasmo Carlos, uma tremenda festa de arromba, enquanto aquelas maravilhosas “tias” da velha guarda de alguma escola de samba fazem os rangos com aquelas mammas americanas que cuidavam das violentas casas de blues na beira da estrada. Em uma outra nuvem, Thelonious Monk martela o piano, enquanto Vinícius e Tom criam uma nova letra ou melodia e Duke Ellington fuma seu cigarro de filtro longo. Enquanto isso, Elvis tá na capela do lugar e Frank Sinatra tá com a cabeça enroscada com os caras da máfia. Aí, de forma celestial, com direito a tapete vermelho, através de um elevador e num céu parecido com aquele mostrado pelos caras do Monty Python em “O Sentido da Vida”, surge Leonard Cohen, todo de preto, de braços dados com Leon Russell, numa beca branca, assim como sua barba. O silêncio toma conta do lugar e faz sentido, afinal, agora eles vão compor e cantar. Longa vida, mesmo que através dos discos, aos trovadores, poetas junkies, músicos de cabaré, todos eles, nossos grandes mestres da canção. Sem eles, não valeria viver, até mesmo digladiar. Agora ligue o rádio, aumente o som e play it again, Sam.

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