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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Volta, Belchior - 70 anos de um gênio máximo da canção


"Há tempo, muito tempo
Que eu estou
Longe de casa
E nessas ilhas
Cheias de distância
O meu blusão de couro
Se estragou

Ouvi dizer num papo
Da rapaziada
Que aquele amigo
Que embarcou comigo
Cheio de esperança e fé
Já se mandou

Sentado à beira do caminho
Prá pedir carona
Tenho falado
À mulher companheira
Quem sabe lá no trópico
A vida esteja a mil...

E um cara
Que transava à noite
No "Danúbio azul"
Me disse que faz sol
Na América do Sul
E nossas irmãs nos esperam
No coração do Brasil...

Minha rede branca
Meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde
Que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade"
Como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar...

Gente de minha rua
Como eu andei distante
Quando eu desapareci
Ela arranjou um amante
Minha normalista linda
Ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar...

Até parece que foi ontem
Minha mocidade
Com diploma de sofrer
De outra Universidade
Minha fala nordestina
Quero esquecer o francês...

E vou viver as coisas novas
Que também são boas
O amor, humor das praças
Cheias de pessoas
Agora eu quero tudo
Tudo outra vez...

Minha rede branca
Meu cachorro ligeiro
Sertão, olha o Concorde
Que vem vindo do estrangeiro
O fim do termo "saudade"
Como o charme brasileiro
De alguém sozinho a cismar...

Gente de minha rua
Como eu andei distante
Quando eu desapareci
Ela arranjou um amante
Minha normalista linda
Ainda sou estudante
Da vida que eu quero dar..."

70 anos de um homem que escreveu coisas à frente do seu tempo ou, talvez, os tempos não tenham mudado quase nada. Trilha sonora pensante e angustiante de tantos perdidos por aí. Ele mesmo se perdeu, desapareceu. Onde estiver, vivo ou morto, que esteja escrevendo canções e poesias viscerais como essa aqui, presente no álbum Era uma vez um homem e seu tempo.  Minha versão favorita é do discaço acústico Eldorado, gravado juntamente com o duo uruguaio Larbanois & Carrero .   Parabéns, gênio. 70 anos do mestre Belchior. Vê se volta, cara.

domingo, 23 de outubro de 2016

Deusa do Rock'n'Roll

Na última semana, Kim Gordon fez dois shows com ingressos esgotados no Sesc Pinheiro. Consegui ter a oportunidade de assistir a última apresentação. Perturbador é a palavra que melhor define Body/Head, seu duo de guitarristas com Bill Nace. Nunca fui fã de Sonic Youth, mas admirava toda atitude de Kim. Ao vê-la pessoalmente na noite do último sábado, essa visão só ampliou. Ela é hipnotizante, com suas botas prateadas, pernas a mostra, guitarra e gaita em punho. É impossível tirar os olhos dela. Há uma selvageria e ao mesmo tempo calma em sua presença no palco. Nem notamos que Kim tem 63 anos e não parece também. Talvez o mais fantástico seja observar o impacto que ela causa nas mulheres da platéia, afinal, Gordon é uma das responsáveis por arrebentar as portas machistas do Rock'n'roll. Após uma hora e pouco de show, tenho que confessar uma coisa: Deusas existem e tive a oportunidade de ver uma delas pessoalmente.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Pro universo

Você partiu na manhã de sábado.
Um sol escaldante pairava sobre o seu corpo.
Sua sombras brilhavam por toda rua.
Era proposital; era a última vez que te via.
Fizemos amor na noite anterior
E no calor do quarto, sufocava ao seu gemido.
Decibéis de prazer como trilha sonora
De uma noite de lua cheia próximo
A uma triste aurora.
Sabia que você ia embora,
Mas evitei qualquer assunto,
Queria evitar um clima de tensão,
Algum tipo de tristeza, sabe.
Me concentrei na safadeza,
Em todo o tesão.
E na natureza dos nossos corpos nus,
O meu desejo era que em seu sexo,
Uma chuva ácida, à lá Hiroshima e Nagasaki,
Surgisse do nada e me fizesse sentir.
Sentir todo o prazer que você me oferecia
Outra vez.
Não insisti pra você ficar,
Já que acredito que a vida são ciclos.
E apesar desse meu pensamento clichê,
Da poesia pobre de revista Amiga
E do meu espírito inconstante,
Achei que por um momento,
Algum instante,
Poderia te amar.
Mas não deu, foi mal,
Deixo você me odiar.
Às vezes acho que há um buraco no meu coração,
Um vazio pra preencher,
Aquele espaço pro rejunte,
Igual nos velhos azulejos azuis da cozinha.
E é melhor você partir,
Talvez você se assuste.
Mas honey darling,
Além da liberdade de ir,
Te dou a de voltar.
E, no momento certo, mesmo que seja no inferno,
Puxe uma cadeira, se aconchegue
E fique pra ficar.
Ou só respire mais um pouco,
Me deixe rouco e, no meu tempo,
Você pode me amar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

YOU

Queria falar de amor,
Escrever uma canção,
Acertar o tom,
Tirar o acorde certo.
Ser simples, (in) discreto,
Direto, tentando um papo reto.
Pego uma nota, brinco com ela,
Puxo a inspiração de um canto,
Mas nada acontece.
Fico pensando, parado,
Feito um babaca,
E a inspiração não floresce.
Manjo um pouco de inglês,
Tento ser um poeta de Latinoamérica,
Nem um verso aparece.
Dedilho o violão, tiro alguns sons,
Não consigo.
Nesse momento, penso em George Harrison,
Em alguma paixão e no seu corpo nu.
Lembro da crueza da sua alma,
Das ancas e andanças.
E invento uma canção pra tu.
Baby, it’s for you,
Just you...

Deixa sangrar (pra um guitarrista que eu conheço)

Hey, cara solitário,
Eu entendo você.
Pegou sua guitarra,
resolveu seguir a estrada.
Decidiu jogar.
No apartamento no centro,
aquele que você morava,
nada mais tinha graça.
Seu companheiro de quarto se foi.
A mulher que te amou um dia,
resolveu sair da tua vida
e não quer mais voltar.
O que sobra?
Velhos discos de blues,
um riff à lá Bo Diddley
e lágrimas no chão de taco.
É melhor pegar a estrada.
Sem destino, sem medo e sozinho.
Sabe, eu te admiro.
Com seu jeito durão de bom coração,
Surfista velho e solitário,
que chora com músicas de outra geração.
Hoje você tá no Sul, amanhã vai pro mar.
Tentando pescar alguma coisa boa pra vida,
Oh, desregrada vida,
Vida essa que você sempre levou.
Não adianta arrependimentos,
nem a cachaça barata que você é adepto.
As cicatrizes estão no seu corpo
e você tá cansado de dar porrada.
I'll never be your beast of burden
My back is broad but it's a hurting
Você tocou essa canção algumas vezes
e foi pra todas as mulheres que cruzaram teu caminho.
Troca o disco, muda o acorde, se levante, maldito.
O público quer escutar suas notas,
quer chorar te ouvindo.
Vendo você sangrar sobre o palco,
sentindo a harmonia crua da sua guitarra,
E percebendo que tudo é só uma viagem alucinada
até a morte chegar,
Vai, guitarrista solitário,
Pega a guitarra só mais uma vez,
E como os mestres sabiamente disseram,
Deixa sangrar.

Por hoje basta

Sente-se e tome alguma bebida.
Sei o quanto é difícil ficar a vontade,
E o meu papo até parece música,
Música de má qualidade, é claro!
Tente relaxar, de verdade.
Esquece o calor que tá lá fora
E de todos sonhos perdidos outrora.
Daquela gente com coração frio,
Querendo sucesso a qualquer preço,
Sem se importar em amar.
Almas nem tão vazias,
Mas tristes, perdidas,
Sem nenhuma luz pra brilhar.
Encoste o seu corpo com o meu.
Pele com pele, é bem melhor assim.
Fica tudo mais fácil.
Deixa eu beber esse suor repleto de medo.
Com gosto da dúvida e certo receio ao se entregar.
Entendo que seu coração já foi machucado,
Tá calejado, empedrado, enquadrado.
Guardado em alguma gaveta vazia atrás do armário.
Me sinto assim também, mas só de vez em quando.
Aí fico no canto, refletindo e pensando.
Tentando me encontrar.
Mas já tô perdido, milhas e milhas longe 
Do meu real destino.
Então, o que me resta,
É sentir você sem pressa,
Esquecer do meu relógio velho, 
Que fica pendurado na cozinha,
Sentir seu cheiro felino,
E te fazer minha,
Só minha.
E isso, por hoje,  basta.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Sangue em forma de poesia (ou Um Nobel Para Bob Dylan)

Bob Dylan ganhou um Nobel e, por conta disso, está sendo criticado por muitos. Muitos que, inclusive, tiveram sua vida embalada por canções de Dylan, o homem de voz de gralha, do violão de acordes simples e de letras extraordinárias. Ele pode não ser um autor, como seu contemporâneo Leonard Cohen, mas foi o responsável por misturar a melodia e poética de blues simples compostos por Blind Willie McTell ou Blind Lemon Jefferson a raivosa e genial veia manifestante de Woody Guthrie. A canção popular mundial deve ser separada “Antes de Dylan” e “Depois de Dylan”, essa é a verdade.  

Não quero menosprezar Saramago, Camus, Hemingway e outros mestres que já venceram o prêmio, mas o alcance da poesia de Dylan foi e é muito superior do que qualquer livro desses caras. Dylan faz música popular e, consequentemente, toca no rádio. Não é necessário ter grana para ouvi-la, muito pelo contrário. É possível escutá-la na fila de um hipermercado ou enquanto o açougueiro corta um pedaço de carne em seu estabelecimento. Não há necessidade de bibliotecas ou livrarias. Até mesmo na guerra, as palavras escritas por Bob Dylan ecoaram – seja nos sonhos de soldados mortos que apenas queriam sobreviver para resgatar a juventude perdida ou na cabeça de militantes que pediam por tempos de paz. 

Bob Dylan sempre esteve à frente do seu tempo, é um gênio além do campo da contracultura e a chave das portas que levam ao descobrimento de uma geração que ajudou transformar o mundo em um lugar menos banal e um pouco mais consciente. O homem que foi muito além dos cafés esfumaçados do Greenwich Village e se tornou a referência do que todo compositor gostaria de ser.  Ainda lá atrás, nos anos 60, ele fez os jovens se interessarem por poesia novamente, seja através das referências em canções ou da própria estrutura de sua escrita.  De Lennon e McCartney, passando por Jagger e Richards, ao cinema de Scorsese, Oliver Stone e Peckinpah e a literatura barata de um poeta de boteco da esquina, sempre haverá a mão de Bob Dylan lá. Se você discorda que ele é um poeta, então leia todas as letras de Blood On Tracks ou Blonde on Blonde. Se aquilo não é poesia, meu amigo, nada mais será. E não esquente a cabeça que um músico e poeta ganhou o Nobel de Literatura. Isso é só um sinal que os tempos estão mudando.

sábado, 8 de outubro de 2016

Doido pra Brigar... Louco pra Amar

Sozinho numa noite sem fim,
Andando por aí em uma rua vazia.
Dormindo em um banco sujo do carro.
Sempre ando de ressaca.
Tô sempre fodido.
Sem ninguém pra me ensinar algo.
Pode ser até sobre amor.
Mas só quero seguir o caminho,
continuar sendo durão.
Um homem sem medo, sem receio de mostrar
as coisas que dominam seu coração.
O orgulho, bem, ele não leva a nada.
E perdedores, mesmo como eu,
são os verdadeiros campeões.
Não se deixam levar por besteira,
muito menos levam a vida a sério.
Tô falando demais, já enchi o saco.
É melhor acender outro cigarro,
exalar fumaça e partir.
Andar sem dar a mínima,
como aquele herói daquele
velho filme de quinta.
Frases prontas não me convencem,
muito menos daqueles que acham
que vencem.
Estou por aí, numa fria esquina.
Sem classe, muito menos rotina.
Só fica na espreita, esperando a chuva passar.
Tomando algum trago, celebrando a vida.
E, por mais negativa que seja,
a única coisa que me importa,
é a adrenalina.
Seja por meio de poesia
ou correndo em um parque,
sentindo o vento na cara,
fugindo de alguma sincera monotonia.
No fim, me divirto.
Sou como aquele cara de um filme antigo,
doido pra brigar, louco pra amar.
E, se agora você me permitir,
vou entrar em outro boteco.
Quero é me divertir.

Prateleiras

Sentados no parque em um dia de verão.
Mãos com mãos, como se o destino
não reservasse algum final pra aquilo.
Ele dizia que estaria lá a qualquer momento,
a qualquer hora.
Ela custava em acreditar, mas decidiu viver
o clima, aproveitar esse pouco de tempo.
Talvez o que mais ele precisasse era saber que
ela não o queria da mesma forma que ele.
Mas, apesar disso, os dois se olhavam nos olhos,
compartilhavam sorrisos.

Ele sabia que ela era mais esperta.
O cara era um verdadeiro pateta.
Dizia para os amigos que, finalmente,
tinha encontrado sua Cinderella.
Que negócio mais brega.
Ela era mais centrada, direta.
Não vivia em mundos de fantasia,
Muito menos acreditava em amores
pra toda vida.
Tinha certeza que encontraria uma nova paixão,
num momento incerto, nas prateleiras de uma livraria.

Ele ligava pra ela todos os dias.
Era um grude, um porre.
Ela continuava por lá,
Nem sabia o motivo,
Mas queria testar sua sorte.
Acreditava nos olhos de ternura dele,
mesmo sabendo que logo deveria partir.
Ele sofreria, a amaldiçoaria
e ela só queria ser feliz,
mesmo com seus olhos
repletos de melancolia.

Naquele dia no parque,
resolveu dizer toda a verdade.
Disse que não o amava, não precisava viver aquilo.
Gostava de ser só e de suas próprias ideologias.
Ele não caiu em prantos, nem jogou praga.
Disse que entendia perfeitamente,
não queria nenhum tipo de briga.
Ela se surpreendeu, não imaginava essa reação.
Na verdade, ele só estava tentando ser durão.

Nos meses seguintes, ele sofreu.
Bebeu em todas as espeluncas da Rua Augusta.
Passou vexame em todos os restaurantes onde comia.
Até que uma hora caiu na real e viu que isso não resolvia.
Deveria era seguir a vida.
Resolveu comprar um livro idiota de autoajuda,
daqueles repletos de frases sobre o destino
E que não resolvem porra nenhuma.
Ela sobreviveu, era forte.
Não precisava de nenhum homem ( que mulher precisa?).
Se sentia confortável sozinha, até mesmo resolveu
aprender gastronomia.
A cozinha era sua nova paixão,
mas precisava renovar o estoque de receitas.
Resolveu sair de seu novo endereço
e ir até a livraria da esquina.
Perguntou ao vendedor onde ficava
os livros de culinária.
Mas o destino, um infiel companheiro,
Novamente a surpreenderia.
Afinal, entre as prateleiras,
ela avistou ele.
Ele riu e foi até o seu encontro.
Nesse momento, apesar de patético,
ela descobriu que ele, por mais idiota que seja,
poderia ser o amor de sua vida.


Anos depois, apesar de muitas luzes
terem se apagados.
Eles estavam juntos. construíram um sobrado.
Ele amadureceu, compreendeu um pouco
dos mistérios da vida.
Ele havia mudado.
Ela continuava a mesma, só que agora cozinhava
E entendia o que ocorria.
Não queria mais ficar sozinha, cansou da velha rotina
E, no final da noite, ao som de um velho standard de jazz,
os dois dançavam, mas tinham pressa.
Precisavam ir logo pra cama, queriam fazer amor.
Agora eram sinceros um com o outro, diferente do passado,
afinal,descobriram sobre as surpresas que a vida prega.

Papel sulfite

Muitas vezes, uma garrafa de cerveja,
um copo americano, uma caneta
e alguma folha de papel vazia
são as melhores companhias de um homem.
Um toca discos ajuda também,
mas sempre há um risco.
O risco das canções que velhos discos trazem de volta.
Canções bregas, românticas, rock'n' roll ou serestas.
Todas elas trazem lembranças ou, quem sabe,
alguma inspiração nova.
Memórias de festas,
talvez o Sol de uma nova manhã.
E na cabeça do poeta,
Uma confusão acontece.
Na verdade, é quase uma guerra.
Palavras surgem para cobrirem
a folha branca de papel com emoções.
Talvez Dionísio tenha haver com isso,
mas o álcool flui nas veias.
O coração surge através de uma prosa
repleta de besteira.
Velhas paixões se transforma num rabisco
feito pela caneta.
Frustrações se transforma em dores agonizantes,
por mais que sejam patéticas.
Amores se transformam em um filme repleto de frases
e garranchos, sem dúvida alguma, via a veia poética.
E no final de toda essa aventura,
vivida através de bebida e música,
a poesia aparece, mesmo sem sentido ou crua.

Deusas

Amo todas as mulheres que cruzam o meu caminho,
Todas elas, seja mãe, vó, tia, amiga, namorada, amante,
Todas aquelas que vou conhecer em um destino distante.
Todas aquelas que fizeram parte de um passado inconstante.
Amei desde a mais louca, que me fez perder noites de sono,
Ou mesmo aquela, que me fazia vários interurbanos.
Teve uma possessiva, queria todo controle da minha vida.
Outra me chamou de machista por conta da uma mania.
Algumas me odeiam, com todas as suas forças.
Mas detesto falar de passado, muito menos ficar preso a ele.
Só sei que considero todas Deusas com D maiúsculo.
E todas, sem exceção alguma, merecem meu respeito.
Mas, principalmente, a todas eu dou meu maior presente:
Todo o amor que eu tenho guardado no fundo desse peito.