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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Sangue em forma de poesia (ou Um Nobel Para Bob Dylan)

Bob Dylan ganhou um Nobel e, por conta disso, está sendo criticado por muitos. Muitos que, inclusive, tiveram sua vida embalada por canções de Dylan, o homem de voz de gralha, do violão de acordes simples e de letras extraordinárias. Ele pode não ser um autor, como seu contemporâneo Leonard Cohen, mas foi o responsável por misturar a melodia e poética de blues simples compostos por Blind Willie McTell ou Blind Lemon Jefferson a raivosa e genial veia manifestante de Woody Guthrie. A canção popular mundial deve ser separada “Antes de Dylan” e “Depois de Dylan”, essa é a verdade.  

Não quero menosprezar Saramago, Camus, Hemingway e outros mestres que já venceram o prêmio, mas o alcance da poesia de Dylan foi e é muito superior do que qualquer livro desses caras. Dylan faz música popular e, consequentemente, toca no rádio. Não é necessário ter grana para ouvi-la, muito pelo contrário. É possível escutá-la na fila de um hipermercado ou enquanto o açougueiro corta um pedaço de carne em seu estabelecimento. Não há necessidade de bibliotecas ou livrarias. Até mesmo na guerra, as palavras escritas por Bob Dylan ecoaram – seja nos sonhos de soldados mortos que apenas queriam sobreviver para resgatar a juventude perdida ou na cabeça de militantes que pediam por tempos de paz. 

Bob Dylan sempre esteve à frente do seu tempo, é um gênio além do campo da contracultura e a chave das portas que levam ao descobrimento de uma geração que ajudou transformar o mundo em um lugar menos banal e um pouco mais consciente. O homem que foi muito além dos cafés esfumaçados do Greenwich Village e se tornou a referência do que todo compositor gostaria de ser.  Ainda lá atrás, nos anos 60, ele fez os jovens se interessarem por poesia novamente, seja através das referências em canções ou da própria estrutura de sua escrita.  De Lennon e McCartney, passando por Jagger e Richards, ao cinema de Scorsese, Oliver Stone e Peckinpah e a literatura barata de um poeta de boteco da esquina, sempre haverá a mão de Bob Dylan lá. Se você discorda que ele é um poeta, então leia todas as letras de Blood On Tracks ou Blonde on Blonde. Se aquilo não é poesia, meu amigo, nada mais será. E não esquente a cabeça que um músico e poeta ganhou o Nobel de Literatura. Isso é só um sinal que os tempos estão mudando.

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