O mundo é uma merda a maior parte do tempo, mas de vez em quando vale a pena viver. Aproveitar o ar, fumar um cigarro no parque, ver as garotas correndo ou assistir os velhos jogando dominó. Pare pra tomar uma cerveja também. A vida só vale a pena se tomar uma cerveja, cara." Ele dizia isso com sabedoria e para todos do bar ouvir. Tinha uma áurea estranha, não era alegre ou pesada, apenas diferente. Através das entradas dos seus cabelos o suor escorria. Devia ter no máximo 50 anos, mas aparentava uns 80. O barman disse que o cara era taxista e sempre ia lá depois do expediente. Hoje tinha ido mais cedo, mas tomava apenas café. Resolvi ver se o cara fazia mais uma corrida, eu estava cansado, na pior parte da cidade e precisava ir pra algum lugar com cama e me deitar. O cara topou, mas não perguntei seu nome e só disse que queria ir para algum hotel. E logo começou a puxar assunto: "4h45 da manhã. Hora de fechar a casa. Pra muitos é o começo de um novo dia, eu tô é finalizando o meu. Sempre acabo no lado sujo da cidade, onde as putas, os viciados e os marginais ficam. Aqui você encontra tudo que a sociedade finge desprezar, mas adora no final. Todo mundo gosta de farra, putaria pesada, manja? Mas eles são meus clientes mais fiéis, os que mais ficam quietos também. Eu detesto gente que fala demais. Um tio meu diz que os motoristas adoram quando o passageiro fala, mas se eu pegasse um cara igual esse meu tio como cliente, bem, já tinha jogado pra fora do carro. Muita falação me desconcentra, principalmente quando começam a falar sobre política ou religião. Tenho minhas opiniões e ninguém muda isso. Mas foda-se, o expediente tá acabando e vou tomar uma cerveja. Gosto das fortes. Quando a noite é pesada ainda tomo uma "maçã" pra relaxar. Um dia um cara começou a cheirar no banco do carro. Pinta de playboy pra caralho, branquelão, todo no social. Tinha até cara de ser judeu ou era italiano, sei lá que porra que aquele filho da puta era. Sei que depois de dar um puta tiraço, o puto virou pra mim e pediu pra eu seguir pra uma daquelas casas de recreação adultas. Levei ele há uma delas. O bichão já tava cavernoso, todo se retorcendo e falou que não ia pagar a corrida. Desci do carro e meti a mão no filho da puta. Chutei bastante aquele rabo branco, mas vi que o sapatos do cara eram Armani. Quer saber? Não pensei duas vezes, peguei pra mim. O puto deve tá se retorcendo até agora com os "pezinho" gelado. Esse dia foi foda. Foi umas três pingas pro bucho. Hoje, graças a Deus, foi tranquilo, só levando um monte de doutor pro aeroporto. É bom, porque pagam direito e ficam no celular o caminho todo e, desse jeito, poupo saliva. Já fui motorista particular, mas quis ter o meu próprio negócio e comprei uma lotação. Ganhei uma puta grana, mas aí veio aquela prefeita e tomei no cú. Mas é a vida. Agora tô tentando relaxar, mas no rádio tá tocando essa do Springsteen, Drive All Night. "Quando eu te perdi, acho que perdi os meu culhão também", é o que ele diz. Talvez seja a história da minha vida, mas relaxa, não vou aumentar o volume. Eu tive uma mulher por um tempo. Ela era independente o bastante, do jeito que eu gosto, mas essa vida aqui fez eu me afastar dela. Acho que toda a porra de estresse que esse trampo dá, todos os engarrafamentos, a merda toda, eu acabava descontando nela, um mulherão. Era professora e adorava criança, mas não tivemos filhos, pro meu azar e sorte dela. Sei que ela casou. Acho que com um antigo namorado ou algum professor amigo. Sei lá, só sei que quando ela foi embora doeu pra caralho, fiquei mal. Até achei que ia morrer. Mas o volante e Deus não deixaram. Continuo rezando desde então. Funcionou uma vez, deve continuar funcionando. Hoje eu moro numa pensão, aluguel barato e poucos problemas, a não ser a noiarada que fuma embaixo da minha janela. Mas ás vezes o fim da noite é frio, triste, até mesmo melancólico e aqui, tomando minha cervejinha e escutando essa música, o pensamento vai longe. Como ele diz na parte principal, dirigiria a noite toda pra comprar novos sapatos praquela mulher e, se ela ainda quisesse, provar de seus carinhos. Mas ela não quer e o taxímetro não pode parar. Quem sabe na próxima corrida? Talvez, mas aí vai ser Bandeira dois , né não, doutor? A vida já me cobrou mais caro, talvez eu devesse cobrar também. Mas é isso aí, doutor. Chegamos no seu destino, já falei demais. Essa é por minha conta, não precisa mexer no bolso, fui com a tua cara. To sempre ali no centro e precisando, já sabe. Fica com Deus e até a próxima." Só agradeci e entrei no hotel. Fiquei pensando no que o cara falou a noite toda. Fui abandonado cedo, criado por um cara que eu achava que era o meu pai. Minha mãe era professora e morreu no último ano. Não andava legal, mas conversar com esse taxista me fez bem, principalmente descobrindo que ele é o meu verdadeiro pai. É, cara, o mundo é uma merda na maior parte do tempo, mas vou seguir os seus conselhos. Fique em paz, cara, fica em paz.
POR GABRIEL CAETANO (setembro/2015 - inspirado na canção que ilustra o post)
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